Surreal

E lá estava ela na janela... De novo! Passei pela janela do meu quarto, e num relance olhei para fora. E vi de novo aquela senhorinha que mora no prédio em frente ao meu, na janela.

Tenho observado que isto é uma constante na vida dela... Está sempre debruçada na janela, olhando não sei o quê. Ela não me parece uma pessoa bisbilhoteira que fica a espiar a vida alheia. Não! Não creio que seja.

Talvez seja a solidão que a empurre para a única distração que ela tem neste momento.

Já observei em outras vezes que a vi, que ela tem sempre um olhar perdido, olhar distante, como se não fizesse parte daquela cena. Me parece que espera por alguém que nunca chega, como se sonhasse acordada um sonho que não se desfez. Que está ali, mas seu pensamento, seu coração estão longe.

Ah pobre senhora! Deve morar sozinha... Deve ser uma pessoa triste, uma pessoinha perdida em suas difusas e constantes lembranças de um passado, que deve ter deixado saudades.

Um dia destes, ainda vou acenar pra ela... Quem sabe ela desperte deste estado de apatia e me cumprimente.

Gostaria de conversar com ela... Imagino quantas histórias ela tenha para contar... Para lembrar. Talvez ela só precise de alguém que a ouça...

Voltei para dentro do meu quarto, e ao passar em frente a um espelho na parede do corredor, fui assombrada por uma imagem surreal... Aquela senhorinha que vi, a pouco na janela, esquecida, perdida em seu mundinho particular, era eu!!!

Era eu refletida nos vidros do prédio em frente... Era eu o tempo todo! Será que é esta a imagem que as pessoas vêem de mim?

Por Marici França, 27 de maio de 2020, às 17 horas